Gama Glória - R. Alexandre Herculano 38
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Adolfo Mesquita Nunes acaba de publicar “A Grande Escolha” , onde faz uma defesa da globalização. Ex-secretário de Estado do Turismo assume-se como “um adepto da direita das liberdades” .
Um dos rostos da ala liberal do CDS, Adolfo Mesquita Nunes acaba de publicar “A Grande Escolha” — um ensaio onde faz uma defesa da globalização. Numa entrevista sobre a obra — e muito pouco sobre política partidária — o ex Secretário de Estado do Turismo, sócio da sociedade de advogados Gama Glória e vereador do CDS na Câmara da Covilhã defende que não há políticas públicas para as classes mais vulneráveis. Sobre o CDS, fala pouco: “vai-me desculpar mas não quero falar do partido”. Assume-se como “um adepto da direita das liberdades” e assume que quanto mais “estatizante e fechado for o nosso modelo, mais pobreza é multiplicada”. No livro, faz um apelo à direita e à esquerda que concordam com a economia de mercado, com o livre comércio e com as liberdades de circulação, para que continuem a usar esses instrumentos na proteção dos mais desfavorecidos. E sublinha que o espaço foi ocupado pelos populistas, de esquerda e de direita, “que se convenceram de que só podemos vencer se afastarmos a concorrência de novas ideias, novos trabalhadores, novas empresas, sobretudo se estrangeiras”.
Qual a necessidade de escrever este livro?
Boa parte do pensamento político que está a ser publicado parte do pressuposto que a globalização foi um erro, que a economia de mercado fracassou. Esse pressuposto está cada vez mais generalizado, mesmo na minha área política, e senti que tinha de participar no debate, demonstrando o quão errado esse pressuposto está. Ao contrário do que parte da direita pensa, a guerra cultural do nosso tempo não é a da destruição dos nossos valores morais, é a da superação do modelo económico que mais prosperidade trouxe à Humanidade: o Mundo aberto e global atravessado por liberdades de circulação. É isso que está sob ataque.
Adolfo Mesquita Nunes em entrevista ao ECO – Fotografia de Hugo Amaral/ECO
Vamos lá tentar responder a esta questão genérica: porque é que a globalização deve ser mantida?
Porque foi o maior instrumento de prosperidade da humanidade. Pensamos que as nossas liberdades de escolha (inéditas na história da Humanidade) e o abundante acesso a bens e serviços (também inédito) são facto consumado. Não são. O abundante acesso que temos a comida, serviços, viagens, equipamentos ou tratamentos médicos não existe desde sempre e deve-se à abertura das economias, ao livre comércio e aos seus efeitos. Romantizamos o tempo dos nossos pais, mas o português médio é hoje quase três vezes mais rico do que era em 1980 (valores ajustados), isto para não falar de mortalidade infantil, direitos das mulheres, literacia, cuidados de saúde ou oportunidades de realização pessoal. O que digo no livro, e quero realçar, é que a globalização pode e deve ser melhorada. Boa parte do livro dedica-se a demonstrar de que forma podemos maximizar as suas oportunidades e mitigar os seus riscos, não deixando ninguém para trás.
“O que digo no livro, e quero realçar, é que a globalização pode e deve ser melhorada.”
– Adolfo Mesquita Nunes
Há alguém a dar estas respostas que apresenta no livro?
Depois da crise das dívidas soberanas, os defensores deste Mundo global e aberto desertaram do debate. O espaço foi ocupado pelos populistas, de esquerda e de direita, que se convenceram de que só podemos vencer se afastarmos a concorrência de novas ideias, novos trabalhadores, novas empresas, sobretudo se estrangeiras. E a defesa da economia de mercado foi sendo feita com adversativas. Isso tem de acabar: a economia de mercado arrancou centenas de milhões de pessoas da pobreza. Podemos fazer muito para a melhorar, e devemos. Mas não cedamos um milímetro neste princípio: o protecionismo e o isolacionismo são um imposto sobre os mais pobres, uma avenida para a pobreza e a antecâmara de um Mundo menos tolerante e pacífico.
Por que razão a direita não está a seguir o caminho sugerido pelo seu livro?
É caminho que está à espera de ser ocupado. Há quase uma corrida, da esquerda e da direita, ao discurso protecionista, que é particularmente derrotista: basicamente dizem às pessoas que elas são perdedoras natas, feitas para o fracasso, pelo que a única forma de nos aguentarmos é proibirmos o que vem de fora para nos desafiar. Espero que este livro possa inspirar alguma mudança nesse rumo: temos de liderar a mudança, não esconder-nos dela.
Adolfo Mesquita Nunes em entrevista ao ECO – Fotografia de Hugo Amaral/ECO
O que tem a dizer aos jovens que se sentem estagnados e a viver em piores condições que os seus pais? Mesmo que isso não seja verdade, essa convicção, só por si, tem efeitos nefastos…
Estas novas gerações viveram quase sempre em crise e têm bastas razões de queixa, porque os governos não têm feito o que deviam. Insisto no livro na necessidade de termos reformas nas áreas laboral, fiscal, formação profissional, investigação, para satisfazer exigências que me parecem justíssimas: melhores salários, mais oportunidades. E elenco que reformas são essas. E o meu ponto é este: quanto mais estatizante e fechado for o nosso modelo, mais pobreza é multiplicada. Temos de apostar na criação de riqueza. É curioso que andamos sempre com o modelo escandinavo na boca mas depois nunca queremos fazer as reformas que eles fizeram para sustentarem o modelo de distribuição de riqueza que criaram.
Defende que a globalização traz mais riqueza geral e isso é evidente nos países em desenvolvimento. Nos países desenvolvidos, os ganhos vêm da eficiência e de bens a mais baixo custo. O problema estará no facto de darmos esses ganhos por adquiridos e não ser tão fácil contabilizá-los face à perda de emprego ou a uma redução no rendimento?
Desde que as economias se abriram, começámos a arrancar pessoas da pobreza a um ritmo nunca visto, a ter a maior classe média de sempre, a estender a esperança média de vida. O cidadão médio do Mundo é hoje 4.4 vezes mais rico que em 1950. Não foi a exploração dos pobres que causou este enriquecimento: aumentámos a população fora da pobreza. E não esqueça que a população aumentou sete vezes nos últimos dois Séculos. Se acreditássemos na ideia de que uma pessoa só ganha à custa de outro, esse aumento seria suficiente para nos levar à pobreza. Mas aconteceu o oposto. Estão errados os que acham que quando alguém sobe na vida é porque alguém teve de ficar pior. Isto não significa que não temos desafios pela frente. Mas quem parte do diagnóstico de que o Mundo está há décadas a piorar parte de um diagnóstico errado e não conseguirá chegar a boas soluções.
“Sem uma reforma fiscal não conseguiremos melhorar os salários nem a criação de emprego nem poderemos ter mais grandes empresas.”
– Adolfo Mesquita Nunes
De que forma se pode defender a globalização nos dias de hoje? É uma mensagem politicamente viável (sendo mais simples e mais fácil apelar ao local e ao nacional)?
É um erro defendê-la mostrando apenas a sua avassaladora superioridade: experimente ir ao supermercado e deitar fora todos os produtos importados ou com componentes importadas e fica com uma noção muito clara do que é que a globalização lhe traz no dia-a-dia. É preciso ir mais longe e perceber que vivemos num tempo veloz e disruptivo, a modernidade líquida de que falava Zygmunt Bauman, e que gera apreensões e desafios. Temos de lhes dar resposta. É por isso que apenas os 3 primeiros capítulos são dedicados a mostrar a superioridade da globalização. Os restantes 7 respondem às maiores apreensões da atualidade quotidiana das classes médias e das novas gerações: desigualdade, salários, emprego, habitação, justiça fiscal, dependência económica do estrangeiro e economia digital. E aproveito para explicar por que razão o livre comércio é um poderoso instrumento ao serviço do combate às alterações climáticas, melhor do que qualquer modelo centralista alguma vez experimentado, melhor do que qualquer modelo isolacionista.
Faltam políticas públicas em Portugal para as classes mais vulneráveis?
Então não? Sem uma reforma educativa e uma revolução na formação profissional não conseguiremos vencer o desafio laboral provocado pela automação (que gera mais empregos do que destrói, mas temos de trabalhar para que esses empregos sejam criados aqui). Sem uma reforma fiscal não conseguiremos melhorar os salários nem a criação de emprego nem poderemos ter mais grandes empresas. Sem uma alteração do quadro da investigação e desenvolvimento não vamos conseguir capacitar empresas e pessoas para as atividades mais produtivas, de valor acrescentado e com melhores salários. O que mostro no livro é que os países que melhor conseguem esbater as desigualdades são os que seguem políticas firmes de criação de riqueza. Por cá só se fala em distribuição. Olhe para os salários: nunca teremos melhores salários sem estas reformas. Mas por cá faz-se por acreditar que os salários dependem de um despacho.
Adolfo Mesquita Nunes em entrevista ao ECO – Fotografia de Hugo Amaral/ECO
De que forma é que a vitória de Joe Biden pode ter efeitos na globalização?
O protecionismo americano não vem só de Trump, que de facto se assume como um tariff man, nem dos republicanos, e Biden não tem sido muito claro quanto ao que pensa sobre o comércio internacional. É preciso esperar. Já quanto à China parece-me que teremos uma alteração: não deixando de a ver como rival, Biden parece apostado numa estratégia de aliança das democracias mundiais para forçar a China a deixar a sua estratégia bilateral. Parece-me o caminho certo. É aliás o que defendo no livro.
A pandemia pode pôr em risco o crescimento da classe média. Ou os efeitos são mais ao nível das classes mais baixas?
Há umas semanas, o economista-chefe da FAO afirmou que o pior que pode acontecer é os governos criarem barreiras comerciais. Porquê? Porque se os países começarem todos a limitar as importações, a restringir o comércio, por mais bem-intencionada que seja a intenção, o resultado é simples: miséria e falta de alimentos. No fundo, é a mesma coisa que ter os países todos a ir ao supermercado comprar dezenas e dezenas de rolos de papel higiénico, com os efeitos absurdos que conhecemos. Se formos por aí, e há cada vez mais gente a querer ir por aí, os resultados não são bons, e os mais vulneráveis serão os primeiros a sofrer.
Apesar do exemplo dos EUA e focando-nos mais em Portugal, o populismo está a crescer e também por cá coincide com um discurso nacionalista e anti globalização. A pandemia trará que efeitos políticos nesse aspeto?
A pandemia vem reforçar esses discursos. Por natureza, as pandemias são atribuídas ao estrangeiro, ao que vem de fora. Ouço muitas vezes dizer que se não houvesse globalização o vírus não teria cá chegado tão depressa, esquecendo que sem globalização não teríamos sequer condições de conter o vírus assim que ele cá chegasse. A globalização não favorece apenas a disseminação dos vírus. Favorece a disseminação de ideias, conhecimento, música, comida, tecidos, computadores, amizades, móveis, medicamentos, ciência, inovações. Tudo o que pode imaginar do nosso quotidiano é disseminado com rapidez por causa do comércio global. Para impedirmos o vírus de viajar, teríamos de impedir a circulação de tudo isso. Isso seria o fim da globalização, mas também o fim da nossa vida tal qual a conhecemos Tudo o que está a ser feito na busca de vacina, é fruto da globalização. Some a isso a brutal crise em que nos encontramos, em que as pessoas estão preocupadas e à procura de respostas rápidas para problemas complexos. O protecionismo e o fecho dos países fica muito bem no papel e tem por isso mais condições de ganhar adeptos.
Adolfo Mesquita Nunes em entrevista ao ECO – Fotografia de Hugo Amaral/ECO
Este livro é um passo no caminho de regressar à vida ativa política?
Não confundamos ter vida política ativa com fazer da política profissão. Só me afastei da segunda, não da primeira. A escrita de um livro como este, a que dediquei seis meses de escrita, é provavelmente um dos maiores gestos políticos da minha vida, podendo expor de forma completa aquela que considero ser a resposta adequada à grande escolha que temos pela frente.
O CDS não está a precisar de si, neste momento?
O CDS fez uma escolha, e eu respeito-a, por maior ou substancial discordância que tenha. E vai perdoar-me mas não tenciono falar do CDS.
“A globalização não favorece apenas a disseminação dos vírus. Favorece a disseminação de ideias, conhecimento, música, comida, tecidos, computadores, amizades, móveis, medicamentos, ciência, inovações.”
– Adolfo Mesquita Nunes
O que o diferencia face aos outros políticos de direita?
Prefiro responder sobre o que me caracteriza. Tenho um posicionamento que recusa expressamente o pensamento da extrema-esquerda, com uma militância ativa, sem concessões, no parlamento, em debates, na opinião escrita, a favor da liberdade, da superação do socialismo e contra os extremismos. Fui sempre um defensor das liberdades, com resultados no terreno, incluindo na desburocratização e libertação do setor do turismo. Provei até que é possível liberalizar em Portugal, com firmeza, com resultados. Dei sempre a cara pelo que penso, e fui a votos, em nome próprio, na minha terra, no interior, num terreno onde o CDS não elegia diretamente há 40 anos. E fui eleito. Gosto das ideias, mas também dos resultados. E se recuso a extrema-esquerda, recuso na mesma medida concessões a ideologias e formas de estar que desdenham a liberdade ou degradam a democracia liberal ou se derretem com coletivismos e polarizações e divisionismos, mesmo se vierem do meu espaço político. Que esse meu posicionamento seja tão atacável por parte de tantos que, à direita, procuram negar ou minimizar ou até ridicularizar uma direita das liberdades como a minha, diz muito mais de quem ataca do que propriamente sobre mim. Sinto-me bastante confortável em fazer parte de uma direita sem saudosismos, que pensa os problemas de hoje e do futuro, fortemente vinculada à defesa da liberdade, da dignidade da pessoa como fundamento de igualdade, da democracia liberal, do primado do Homem face ao Estado, das liberdades de circulação, da liberdade de cada um construir o seu projeto de vida, seja de que partido for, tenha a religião que tiver, ame quem amar, avessa a identitarismos e a contra-identitarismos, a coletivizações. E nunca me senti sozinho nesse espaço.
Como deve ou pode a direita ajudar os mais desfavorecidos, que vão ser ainda mais na sequência desta crise?
No livro faço um apelo à direita e à esquerda que concordam com a economia de mercado, com o livre comércio e com as liberdades de circulação, para que continuem a usar esses instrumentos na proteção dos mais desfavorecidos: se queremos melhores modelos previdenciais, temos de os conseguir financiar; se queremos resolver a precariedade, temos de mitigar fortemente a segmentação do mercado laboral; se queremos um quadro novo para os trabalhadores independentes, não podemos desconfiar dos novos modelos de negócio; se queremos melhores salários, precisamos de empresas mais robustas; se queremos mais emprego precisamos de mais flexibilidade e mais segurança. Acho que sete dos dez capítulos estão dedicados a responder a essa pergunta. Espero que isto seja um bom pretexto para que comprem o livro!
Adolfo Mesquita Nunes em entrevista ao ECO – Fotografia de Hugo Amaral/ECO
A pandemia pode afastar-nos da China ou as relações estão já demasiado profundas?
Ainda antes da pandemia já a União Europeia tinha alterado a sua relação com a China, na sequência dos sinais de inversão da abertura chinesa. A China é agora vista como um rival económico na corrida para a liderança tecnológica e um adversário sistémico que promove modelos alternativos de governação. Estou de acordo com essa abordagem, e é preciso que se diga que, para além de não ser uma democracia liberal e de ter pesado histórico na relação com as liberdades e direitos humanos, a China não só não é uma economia de mercado, porque é um capitalismo de Estado, como também se exime a abrir equitativamente o seu mercado. É por isso que me defendo uma abordagem multilateral de força, do Mundo livre, para obrigar a China a uma política de reciprocidade.
A aquisição de capital nos casos da EDP e a REN/chineses foi uma manobra política positiva? Como vê a postura norte-americana de quase fazer Portugal escolher uns ou outros?
Essa mudança de abordagem na União Europeia trouxe a discussão sobre mecanismos de escrutínio do investimento estrangeiro, para averiguar se o investimento é feito por empresas detidas ou controladas por entidades públicas – chinesas ou não. Estou de acordo com esse mecanismo, embora me pareça que é preciso ter cuidado para se não tratar tudo por igual. Empresas cotadas têm obrigações de transparência que as não cotadas não têm. Participações minoritárias sem poder de influência não são iguais a participações maioritárias. E nem todos os setores da economia são iguais. Mas uma coisa é o investimento chinês, outra diferente é a atividade comercial que as empresas mantêm com a China, importando e exportando. Quanto a essas, faz pouco sentido proibi-las ou limitá-las através de uma guerra comercial.
Parece não acreditar na tese de que as cadeias de produção ficarão mais regionalizadas e menos globalizadas, na sequência da pandemia. Pode explicar um pouco melhor essa visão?
O que digo é que essa reorganização das cadeias já estava a acontecer com alguma naturalidade, por vários motivos todos associados às liberdades comerciais ou à necessidade de ouvir os consumidores: aumento dos custos salariais na Ásia (exato, a globalização aumenta os salários desses países, não os diminui), perceção de falta de eficiência em cadeias demasiado espalhadas, novas tecnologias nos processos de produção que tornam a deslocalização desnecessária, o speed to market, as novas tendências de consumo e a velocidade que imprimem, etc… Tudo isso estava a acontecer já, e com naturalidade.
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