Ulisses Hair Care - R. Rodrigo da Fonseca n 54A

O título do livro (publicado em 2002) de um poeta português contemporâneo é, sem querer, o resumo da vida de Ulisses: “ULISSES JÁ NÃO MORA AQUI” (ed. &etc). Mas não viemos “aqui” falar de Literatura, nem de Homero, nem do regresso a Ítaca, nem do clássico de James Joyce. Viemos falar do Ulisses nascido em Lisboa em 1964. Viemos falar do Ulisses que aos sete anos percebeu que queria ser cabeleireiro. Viemos falar do Ulisses cujas “memórias olfactivas”, quando ia com a mãe cortar o cabelo, são das mais presentes: o cheiro da laca, ainda feita à mão (cristais comprados na farmácia e misturados com uma solução de álcool num pulverizador), o cheiro dos produtos usados, à época, para as “permanentes”, ali na casa onde o Sr. Bernardino fazia simultaneamente os ofícios de barbeiro e de cabeleireiro, separados apenas por uma porta – que ele, como Ulisses, atravessava. Viemos falar deste Ulisses sem Penélope à espera dele, mas que cresceu com a consciência de que a vida não espera por nós. Aos 13 anos, atravessava de barco o Tejo para as aulas no Instituto Britânico e ficava sempre fascinado com um salão de cabeleireiro no terminal do Rossio. Um dia, juntou parte da sua mesada e foi marcar uma hora para si. “Perguntaram-me o que queria fazer. Eu sabia lá… Pedi para esticar o cabelo, na altura tinha muitos caracóis”, recorda.

Lucrécia, uma das cabeleireiras, comentou que havia uma ajudante que estava de saída e Ulisses voltou na semana seguinte: foi oferecer-se para substituir a rapariga. Mas quando lhe passaram o secador para a mão, pela primeira vez, nem sabia ligá-lo. Mesmo assim, ficou, num horário a seguir às aulas. Começou como aprendiz, aos 13 anos. Viemos, portanto, falar do Ulisses que aos 14 anos, pouco tempo depois, conheceu um cenógrafo do Teatro Maria Vitória que o levou para um dos maiores salões de Lisboa, onde era o único rapaz assistente. Somam-se anos de sucessos e uma rápida ascenção, que leva à colaboração frequente com o mundo da moda: “Manobras d’Arte”, “Moda Lisboa”, etc. Pelo meio, juntou dinheiro e foi viver um ano para Paris, onde colaborou com um dos melhores. Viajante compulsivo, acaba por se radicar nos Estados Unidos, até ao catastrófico 11 de Setembro: vive e trabalha dois anos em São Francisco, um ano em Miami e cinco anos em Nova Iorque. Cruzou-se com figuras improváveis (chegou a ser “cunhado de Heidi Klum”, com quem conviveu durante algum tempo). Tinha três carteiras profissionais, obrigatórias por cada mudança de Estado, além das licenças, dos sponsors, dos advogados, enfim, de tudo o que já era obrigatório para um estrangeiro poder trabalhar na América. Mas, tal como no salão da menina Lucrécia aos 13 anos, foi batendo porta a porta até conseguir ficar: viveu e trabalhou nos Estados Unidos durante oito anos. Ali, chegou a colaborar com a Semana da Moda de Nova Iorque, fez amigos, amantes, clientes, e aprendeu a ganhar… e a perder.